O agronegócio é uma Fake News ou a solução para o Brasil ?


O agronegócio é uma Fake News ou a solução para o Brasil ?

A mentira em questão possui diversas dimensões: o agronegócio não mata a fome, não gera emprego e tampouco é sustentável, como tem tentado demonstrar.
Comecemos pela dimensão econômica, um dos aspectos dessa mentira é o alto custo de produção que muitas vezes encosta ou ultrapassa o preço de venda das mercadorias.
É importante alinhar o que entendemos por agronegócio. O tema é extenso, mas aqui falamos especificamente sobre uma cadeia de produção, que engloba três grandes grupos de atividades, denominados:
Antes da porteira, dentro da porteira; e depois da porteira.
O primeiro estágio se refere à parte da cadeia que produz os insumos que serão utilizados na produção: agrotóxicos, sementes (híbridas ou transgênicas) e adubos químicos. Além dos insumos, outra parte importante neste estágio são as empresas produtoras de máquinas agrícolas.
O segundo estágio – dentro da porteira – se refere à atividade agrícola em si: semear, plantar e colher (regado a muitas aplicações de agrotóxicos). Esta atividade é a que povoa o imaginário da sociedade e que, muitas vezes, se confunde com o próprio termo “agronegócio”. 
Finalmente, o terceiro estágio – depois da porteira – inclui uma vastíssima gama de atividades econômicas, por exemplo: a recepção e armazenamento da produção, tradings que distribuem a produção no mercado interno e externo, as indústrias de transformação (alimentação humana, animal, produção de óleos e combustíveis), e sobretudo o mercado financeiro, que eleva a produção agrícola ao abstrato mercado de ações presentes e futuras, fazendo todo o tipo de malabarismo especulativo.
Quem representa o agronegócio?
A partir das definições acima, pode-se desenhar e dar vida aos jogadores desta cadeia. Na parte de insumos, o controle fica por conta das tradicionais seis grandes – Basf, Bayer, Monsanto, Syngenta, Dow, Dupont – que estão virando três gigantes (Monsanto-Bayer, Dow-Dupont, Syngenta-ChemChina-Adama). No ramo de máquinas, temos John Deere e New Holland como praticamente únicas fornecedoras de tratores. 
Depois da porteira, reinam as famosas ABCD: ADM, Bunge, Cargill e Dreyfus, que concentram o mercado de logística de armazenamento e estendem os ramos até a indústria de alimentos, se é que podem ser assim chamados os produtos dessas empresas. Na indústria de alimentos, mais concentração: Nestlé, Kraft, Coca-Cola, Unilever, Pepsico, etc.
Como se pode ver, o único espaço que sobra para o Brasil é a parte de dentro da porteira. Ainda que haja um grande movimento de compra de terras pelo mercado financeiro internacional, podemos afirmar que a maioria dos que atuam “dentro da porteira” são empresas brasileiras, e familiares em muitos casos. (Se o PL 4059/2012, que libera a venda de terras para estrangeiros, hoje restrita, for aprovado, nem isso mais se poderá afirmar).
O Brasil tem sido para o mundo “a galinha dos ovos de ouro”, produz a preço barato, abastece toda a cadeia de insumos das multinacionais, e vende matéria prima. Quando beneficia, o óleo ou milho, o faz com as mesmas multinacionais, ou seja, o Brasil não sabe transferir a riqueza entre a sua população, mas externamente, é um excelente transferidor de riqueza para os EUA e União Europeia.

Uma atividade em que o Brasil não tem qualquer soberania
A revista Brasil de Fato, em uma reportagem de 2017, sobre uma escola de samba que falou mal do agronegócio, fez um breve relato sobre esse tema, segue trecho da reportagem:
A Associação de Produtores de Soja de Goiás divulgou um estudo revelando os custos de produção da soja e milho, e os preços médios de venda. A conclusão não chega a ser novidade: somados os custos com terra, sementes, agrotóxicos, fertilizantes e máquinas, o produtor pagou R$ 3.484,16 por hectare de plantação de soja. Neste mesmo hectare, com toda a tecnologia de ponta, ele foi capaz de produzir entre 58 e 60 sacas de soja. Ocorre que a saca de soja foi comercializada a R$ 58, resultando num faturamento de R$ 3.364,00/ha. Ou seja: prejuízo. Conclusão semelhante foi encontrada a partir da análise feita sobre a produção de milho.
Sobre o assunto, o presidente da Aprosoja-GO, Bartolomeu Braz Pereira, mata uma parte da charada: “A parte financeira da nossa atividade é baseada no dólar, tanto os preços de insumos como os de venda. Quando fizemos o planejamento desta safra, o dólar permeava os R$ 4,00; hoje está mais próximo de R$ 3,00. Só essa diferença gera um impacto de 30%”.
Elementar, meu caro Bartolomeu. Se eu moro no Brasil, como no Brasil, durmo no Brasil, produzo soja no Brasil, mas: meu insumo é controlado por um oligopólio estrangeiro, e quem determina o preço do meu produto é outro oligopólio estrangeiro, então o produtor não tem nenhum controle sobre seu negócio, e o país não tem nenhuma soberania sobre uma de suas principais atividades econômicas.
Bartolomeu segue com outra pista: “Não adianta ter uma super safra, se vamos ter prejuízo. (...) Tudo tem que ser avaliado, porque não há conta que feche com esse custo de produção que só aumenta”.
Infelizmente, caro Bartolomeu, sinto lhe dizer que o espírito do pacote tecnológico é igual à lenda urbana do baleiro que vende doces com cocaína para viciar as crianças. No começo é bem barato, e dá o maior efeito. Depois que vicia, o barato diminui e o preço aumenta. Aí já não tem mais saída.
A reportagem termina com uma recomendação surpreendente do consultor Cristiano Palavro: “No caso das sementes, que vêm encarecendo devido ao emprego de biotecnologia (transgênicos!), o consultor técnico da Aprosoja-GO aconselha o plantio de variedades convencionais ou sem patente, desde que consigam competir em produtividade. ”
Quase 15 anos depois da legalização dos transgênicos no Brasil, parece que a ficha caiu. Resta saber se ainda há tempo de voltar atrás. O ISAAA, entidade de propaganda dos transgênicos no mundo, afirmou em seu relatório de 2016 que 96,5% da soja plantada no Brasil é geneticamente modificada.
Quem ganha e quem perde com o agronegócio?
O faturamento de 9,6 bilhões de dólares alcançado pela indústria de agrotóxicos no Brasil em 2016 não é o que se possa chamar de mau resultado, portanto, não foi o agronegócio que teve prejuízos. O prejuízo foi justamente aquela parcela do agronegócio que tem a maior parte das raízes fincadas no Brasil, e os brasileiros que pagam altas taxas de impostos e outros tributos, que servem para financiar essa fake.
Os quase 190 bilhões aportados anualmente ao agronegócio a sua quase totalidade é destinado aos grandes produtores rurais para pagar suas contas com a turma de antes e depois da porteira.
Com a compra de insumos, a maior parte desse recurso, não fica no Brasil vai para as multinacionais acima citadas.
Ainda segundo a Brasil de Fato, “quase 8 vezes o valor destinado ao bolsa-família é o valor do bolsa-agronegócio, dinheiro que vai diretamente do governo para as empresas, fazendo uma curtíssima parada “dentro da porteira”. E quando o produtor não consegue honrar as dívidas dos empréstimos contraídos, há inúmeras possibilidades de negociação e seguros, também custeados pelo governo. Ou seja, o governo coloca dinheiro bom nas mãos dos empresários rurais do agronegócio, e esse repasse às indústrias de insumos ocorrem quase que instantaneamente, contudo, o recurso em grande parte não volta para os bancos oficiais. Editam medidas provisórias visando renegociação com abatimento de até 85% do montante da dívida.
É dever do Estado financiar a produção agrícola do país. O problema central é o modelo de agricultura adotado, que se torna extremamente vulnerável a fatores externos sobre os quais não há nem controle nem previsibilidade.
O agronegócio movimenta sim uma fatia grande da economia. No entanto, privilegia empresas multinacionais e a produção de mercadorias agrícolas, e despreza a produção de comida de verdade, que vai pra mesa, virando as costas para a grande maioria dos agricultores do país, agricultores familiares. Aliás, virar as costas não é de todo mal: a agricultura familiar integrada ao agronegócio sim é o pior dos mundos: o pequeno produtor se vê aprisionado num modelo que produz o que o agronegócio necessita, e vende pelo preço que o agronegócio quiser pagar. Funciona assim as parcerias na avicultura e suinocultura, uma versão moderna de escravização.
O Agronegócio poderia até ter resultados diferentes, se houvesse mais investimentos internos para a agroindustrialização de pequenos e médios produtores genuinamente brasileiros, agregando valor na exportação.
Se tudo isso já mostra um quadro complicado, fica ainda pior quando importantes mercados no mundo, como o argentino, o árabe e o chinês, não veem sendo aperfeiçoados através de uma boa diplomacia, mas ao contrário tem sido vilipendiado.
Quando analisamos o censo agropecuário do IBGE, dos últimos 40 anos, quem produz o alimento que vai para a mesa dos brasileiros é a Agricultura Familiar.
A agricultura familiar produz 70% do alimento consumido pelos brasileiros em 28% do total das terras agricultáveis hoje no país.
Já no quesito concentração de terras, o mesmo censo agropecuário 2017 fornece dados alarmantes, porque não dizer até repugnantes, como 50% do total das terras agricultáveis do país está nas mãos de 1% dos proprietários de terras do país.
Do total do financiamento das atividades em torno de 80% é para o Agronegócio e 20% para a Agricultura Familiar.
Quanto a geração de empregos no campo, os percentuais são inversos 80% na agricultura familiar e 20% no Agronegócio.
Quanto a aplicação de agroquímicos ele está presente na agricultura familiar na proporção de aproximadamente 25%, sendo a maior parte adubos formulados.
Vale a pena refletir um pouco sobre esses dados. Se a Agricultura Familiar com 28% das terras agricultáveis, com 20% do financiamento rural do Plano Safra anual, consumindo 75% menos agrotóxicos produz 70% do alimento que vai para a mesa dos brasileiros, qual a solução para a agricultura brasileira? Ampliar a área destinada a agricultura familiar, inclui aí a Reforma agrária, e o acesso a crédito, além de uma Assistência Técnica e Extensão Rural comprometida não só com a produtividade, mas com a qualidade e o valor nutricional dos alimentos.
Parece simples, mas não é. Não acontece assim porque não temos um país soberano. Porque o nosso executivo e legislativo não estão comprometido na sua maior parte, com a qualidade do alimento, nem com a desconcentração da terra, e nem muito menos com uma melhor distribuição da riqueza do país. Não estão comprometidos com os brasileiros.
É claro que ainda há toda a base de sustentação da classe dominante, detentora de terras, na mídia, que divulga, que mente dizendo que o Agro é Tech, o Agro é Pop, o agro é tudo, mas que omite os prejuízos econômicos, ambientais e culturais causados pelo agro, inclusive a relação do aumento drástico do número de câncer em regiões de grande prevalência do agronegócio como Lucas do Rio Verde-MT. O grupo Globo  tem latifúndio no oeste da Bahia, bem como a RECORD e outros grupos econômicos como o BRADESCO, dentre outros.
O poder judiciário tem sido um braço histórico dos grandes fazendeiros, desde a participação dos cartórios nas grilagens de terra, até a proteção daqueles que promovem o assassinato no campo. É grande o número de assassinatos impunes na luta pela terra no Brasil.
Outro dado de causar indignação é a isenção fiscal para o agrotóxico, que vai desde o IPI e parte do ICMS junto aos estados. Nesta quarta-feira 19/02/2020, haveria uma decisão do STF sobre o assunto. O PSOL entrou com uma ação que questiona as normas que preveem a isenção de IPI de 24 substâncias e a redução em 60% de ICMS nas operações interestaduais envolvendo 15 tipos de defensivos agrícolas (também é possível a redução dentro dos estados e DF). Mas o STF, como já era esperado adiou a análise da pauta. Um insumo biológico é taxado e um agroquímico tem isenção fiscal.
A participação desses atores (Executivo, legislativo, judiciário e mídia) é crucial para a manutenção desse agronegócio, que é “vendido” ao país como a solução na produção de alimentos do mundo, e salvador da nossa balança comercial.
Por fim, o pior dos dados, e aquele que desnuda a falácia do agronegócio é a que demonstra sua maior contradição, segundo dados da ONU/FAO  75% de toda a pobreza no mundo, está no campo, a matéria da folha diz assim: ” um total de 75% da parcela da população mundial que ganha menos de US$ 1 por dia vive no campo. A constatação é da Organização das Nações Unidas, que divulgou um relatório para mostrar que, se os governos não adotarem políticas para os trabalhadores rurais, não conseguirão vencer a pobreza. ”
Não podemos, enquanto cidadãos brasileiros informados, nos calar diante das inverdades veiculadas nas mídias de uma forma geral, sobre o que é de fato o Agronegócio, ele está longe de ser a saída para os problemas brasileiros, eu diria que o Agronegócio hoje é a grande Fake News do Brasil, pelo menos da forma em que tem sido conduzida.
João Bosco Cavalcanti Ramalho
Engº Agrônomo e de Segurança do Trabalho
Especialista em Gestão Ambiental
Mestrando em ecologia aplicado a Gestão Ambiental
Fontes:


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