O crescimento exponencial em um Planeta finito, artigo de José Eustáquio Diniz Alves (Ecodebate) boa matéria, a conta não fecha.
[EcoDebate] Dizem que o inventor do Xadrez criou o jogo para agradar o Faraó, que entusiasmado e agradecido pela inteligente invenção, chamou o criador para poder recompensá-lo materialmente e disse que o sábio poderia pedir qualquer coisa de recompensa. O inventor do jogo de Xadrez então fez o seguinte pedido: 1 grão de trigo pela primeira casa do tabuleiro, 2 grãos de trigo pela segunda e assim sucessivamente, sempre dobrando, até a última das 64 casas. O Faraó, num primeiro momento, ficou satisfeito com o pedido singelo, mas, depois de informado por seu “ministro da fazenda”, ficou sabendo que jamais conseguiria atender àquele pedido aparentemente despretensioso, mas que significava uma quantidade fabulosa de trigo.
Como o tabuleiro de xadrez tem 64 casas, para fazer o cálculo, trata-se de uma progressão geométrica com 64 termos, cujo primeiro termo (a1) é igual a 1 e a razão (q) igual a 2. Assim, an=a1.q^(n-1). Ou seja, a progressão é a seguinte: 1, 2, 4, 8, 16, 32, 64, 128, 256, 512, 1024, …. 9.223.372.036.854.780.000. Isto mesmo, 9 quintilhões, 223 quatrilhões, 372 trilhões, 36 bilhões, 854 milhões, 780 mil. Evidentemente, nem todo o trigo do mundo, por várias gerações, seria suficiente para pagar ao criador do jogo de xadrez.
Esta história serve para mostrar a força de uma progressão geométrica e do crescimento exponencial. Serve também para analisar o crescimento econômico e populacional ocorrido no mundo nos últimos 250 anos, desde o aperfeiçoamento da máquina a vapor, por James Watt, em 1768 e o início da utilização dos combustíveis fósseis em larga escala. Nos 250 anos entre 1768 e 2018 (utilizando dados de Angus Maddison e projeções do FMI para o período 2014 a 2018) a população mundial cresceu quase 10 vezes e a economia global cerca de 130 vezes. O crescimento anual da população ficou em torno de 0,9% ao ano e a economia em torno de 2% ao ano. Sendo que o maior crescimento da economia ocorreu depois da Segunda Guerra Mundial, com uma média anual de crescimento do PIB acima de 3,5% ao ano.
A matemática mostra que um crescimento de 3,5% ao ano significa dobrar a economia em 25 anos, quadruplicar em 50 anos, multiplicar por 8 em 75 anos, 16 vezes em um século e chegar a um crescimento de 1.000 vezes em 250 anos. Ou seja, se a economia mundial continuar crescendo aproximadamente no ritmo dos últimos 70 anos (3,5% ao ano) terá o seu produto multiplicado por mil vezes nos próximos dois séculos e meio. Isto daria um crescimento de 130.000 vezes do PIB mundial nos 500 anos entre 1768 e 2268.
Obviamente, como mostrou o cientista David Suzuki, este crescimento exponencial é incompatível com um Planeta finito e com escassos recursos disponíveis. O segredo do crescimento dos últimos 250 anos foi a utilização dos combustíveis fósseis. Mas a extração barata das jazidas de petróleo já chegou ao fim. A degradação dos solos, o sobreuso das águas e o estresse hídrico são fatores limitadores do crescimento.
Se consideramos o ciclo da biodiversidade da Terra como tendo 60 minutos e as atividades antrópicas dobrando a cada minuto, o ser humano teria ocupado 6,3% da Terra aos 56 minutos, 12,5% aos 57 minutos, 25% aos 58 minutos e 50% aos 59 minutos. Em apenas um minuto adicional os 100% seriam alcançados. Esta é a força da progressão geométrica e do crescimento exponencial.
Pela metodologia da Pegada Ecológica a humanidade passou a consumir meio Planeta em meados da década de 1950. Naquele momento, o ser humano vivia o seu 59o minuto. Em 1976, a pegada ecológica igualou com a biocapacidade do Planeta e a humanidade chegou ao 60o minuto. Isto é, as atividades antrópicas passaram a consumir o equivalente a um Planeta. Até 2030 serão dois planetas.
Assim, desde o último quartel do século XX, a humanidade ultrapassou as fronteiras planetárias e a civilização passou a viver dos recursos herdados do passado, consumindo acima da taxa de reposição da capacidade biológica da Terra. Evidentemente, existem os pensadores cornucopianos, como Matt Ridley, que escreveu o livro The Rational Optimist, que acreditam que a tecnologia e a inventividade humana podem superar os limites da natureza e que o desenvolvimento pode manter taxas de crescimento por um longo prazo. Como exemplo, a “Revolução Verde” possibilitou o aumento da produção de alimentos, mas, ao mesmo tempo, contribuiu para a depleção do solo, dos aquíferos, dos rios, lagos e oceanos, além da redução da biodiversidade.
Existe uma disputa entre os defensores do progresso (que tendem a passar uma visão otimista) e os defensores do meio ambiente (que as vezes até exageram na possibilidade de catástrofe). Ninguém sabe com certeza quais são os limites do desenvolvimento humano. Mas não é difícil entender que é insustentável o atual ritmo de crescimento das atividades antrópicas e suas consequências negativas sobre a natureza. O relatório da ONU “Crescimento Melhor, Clima Melhor: A Nova Economia do Clima“ considera que “é possível termos um melhor crescimento econômico e um melhor clima (…) é possível criar empregos e reduzir a pobreza e, ao mesmo tempo, reduzir as emissões de carbono que ameaçam o nosso futuro”.
O prêmio Nobel de economia, Paul Krugman, em artigo “Erros e emissões”, do NYT e republicado no jornal Folha de São Paulo (19/09/2014) não vê dificuldade em compatibilizar o crescimento e o meio ambiente. Ele diz: “Eis o que você precisa saber a respeito: o desespero climático é um grande erro. A ideia de que crescimento econômico e ação quanto ao clima são incompatíveis pode soar séria e realista, mas na realidade é um erro infantil de raciocínio. Se um dia conseguirmos sobrepujar os interesses especiais e a ideologia que vêm nos impedindo de salvar o planeta, descobriremos que fazê-lo é mais fácil e mais barato do que quase qualquer pessoa imagina”.
Talvez seja realmente possível. Mas para evitar o colapso ambiental e climático seria preciso erradicar os gastos militares e de guerra, inviabilizar o consumo ostentatório, reduzir significativamente a poluição, eliminar o crime do ecocídio, etc. Infelizmente não se vê vontade política nos governos e na ONU para fazer o que é preciso ser feito nessa área. O que existe por trás dos discursos políticos é um fetiche da ideia do desenvolvimento sustentável, que na prática, nada mais é, do que uma maquiagem verde (greenwashing).
Mas, Richard Heinberg, escreveu o artigo “Erros e omissões” criticando Paul Krugman e mostrando a necessidade do decrescimento econômico. Também Samuel Alexander, em artigo no site The Conversation (19/09/2014), questiona o relatório “Crescimento Melhor, Clima Melhor” e também questiona a visão de Krugman, pois considera que os países desenvolvidos deveriam começar imediatamente uma estratégia de contração econômica planejada, com menos energia e utilização de recursos. Estabilidade climática exige nada menos do que uma mudança econômica no atacado. Ele critica a ideia do capitalismo verde e mostra que somente o DECRESCIMENTO econômico pode evitar o aumento das emissões de gases de efeito estufa (GEE) e salvar o Planeta de um desastre ecológico.
De fato, para evitar a catástrofe ambiental, é cada vez mais claro a necessidade de as taxas de crescimento econômico e demográfico se tornarem negativas, pois será impossível a continuidade do crescimento econômico exponencial – seja do PIB ou da população – dentro dos limites impostos pela 2ª Lei da Termodinâmica (“a quantidade de trabalho útil que se pode obter a partir da energia do universo está constantemente diminuindo”).
No longo prazo, indubitavelmente, é impossível manter um crescimento material infinito em um espaço finito. Insistir no caminho da acumulação de capital e de ampliação do consumo é o mesmo que aprofundar o holocausto biológico e a depleção dos ecossistemas. Neste caso, o colapso viria como um “xeque-mate” da natureza.
Referência:
O Cientista David Suzuki diz que o Crescimento Económico Exponencial é Suicida
http://www.socialfly.com.br/videos/79-este-cientista-espertinho-fez-uma-simples-analogia-sobre-nosso-planeta-e-agora-estou-com-medo#
http://bloguedoprimata.blogs.sapo.pt/113899.html
O Cientista David Suzuki diz que o Crescimento Económico Exponencial é Suicida
http://www.socialfly.com.br/videos/79-este-cientista-espertinho-fez-uma-simples-analogia-sobre-nosso-planeta-e-agora-estou-com-medo#
http://bloguedoprimata.blogs.sapo.pt/113899.html
Matt Ridley. The World’s Resources Aren’t Running Out, The Wall Street Journal, 25/04/2014
http://online.wsj.com/news/articles/SB10001424052702304279904579517862612287156?mg=reno64-wsj&url=http%3A%2F%2Fonline.wsj.com%2Farticle%2FSB10001424052702304279904579517862612287156.html
http://online.wsj.com/news/articles/SB10001424052702304279904579517862612287156?mg=reno64-wsj&url=http%3A%2F%2Fonline.wsj.com%2Farticle%2FSB10001424052702304279904579517862612287156.html
Crescimento Melhor, Clima Melhor: A Nova Economia do Clima
http://newclimateeconomy.report/
http://www.ecodebate.com.br/2014/09/18/e-possivel-crescer-e-combater-a-mudanca-climatica-diz-novo-relatorio-elaborado-por-19-paises/
http://newclimateeconomy.report/
http://www.ecodebate.com.br/2014/09/18/e-possivel-crescer-e-combater-a-mudanca-climatica-diz-novo-relatorio-elaborado-por-19-paises/
Richard Heinberg. Paul Krugman’s Errors and Omissions, Post Carbon Institute, Sep 22, 2014
http://www.resilience.org/stories/2014-09-22/paul-krugman-s-errors-and-omissions
http://www.resilience.org/stories/2014-09-22/paul-krugman-s-errors-and-omissions
Samuel Alexander. We need economic degrowth to stop a carbon budget blowout, 19 September 2014
http://theconversation.com/we-need-economic-degrowth-to-stop-a-carbon-budget-blowout-31228
http://theconversation.com/we-need-economic-degrowth-to-stop-a-carbon-budget-blowout-31228
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
Publicado no Portal EcoDebate, 01/10/2014
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