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Decrescimento sustentável

Uma transição para a sustentabilidade exige um novo pensamento a respeito de demografia e de transição socioecológica. Marina Fischer-Kowalski e Helmut Haberl do IFF (Instituto de Estudos Interdisciplinares), de Viena, influenciados pelo trabalho do historiador do ambiente Rolf Peter Sieferle e por antropólogos ecológicos, economistas ecológicos e ecologistas industriais, editou recentemente um livro intitulado Socio-Ecological Transitions (Transições Socioecológicas) (Fischer-Kowalski e Habert, 2007). Desde as sociedades de caçadores-recoletores às sociedades agrícolas e às sociedades industriais, os autores desse livro revelam padrões quantificáveis do uso da energia e dos materiais, das densidades de população, uso do território e tempo de trabalho.

Tentam também distinguir os futuros possíveis dos futuros impossíveis. Por exemplo, é plausível pensar um mundo de oito mil mlhões de pessoas com um dispêndio de energia de 300 GJ e um uso de materiais de 16 toneladas per capita e por ano? Ou estamos pelo contrário à beira de uma transição socioecológica que irá reduzir o uso de energia e de materiais nas economias ricas mesmo que isso implique um decrescimento económico? As palavras chave da política ambiental dos últimos vinte anos soam a oco na presente crise económica. Os cenários do IPPC nunca contemplaram (autocensura?) um declínio de 5 por cento do PIB dos países ricos seguido de um longo período de não crescimento, como poderá talvez acontecer. Isso não constava do guião dos economistas e dos ecologistas industriais. Ao longo de vinte anos, a palavra de ordem ortodoxa foi Desenvolvimento Sustentável (Relatório Brundtland, 1987), que significava crescimento económico que fosse ecologicamente sustentável. Sabemos contudo que o crescimento económico não era ambientalmente sustentável.

A discussão sobre o decrescimento (francês: décroissance), iniciada por Nicholas Georgescu-Roegen há trinta anos, é agora assunto de debate nos países ricos porque «la décroissance est arrivée» (o decrescimento chegou). É agora o momento de substituir o PIB por indicadores sociais e ambientais a nível macroeconómico e de gizar projetos rumo a uma transição socioecológica segundo o comportamento desses indicadores. A transição exige uma reforma das instituições sociais (para enfrentar o desemprego) e também uma reforma das instituições financeiras para impedir que o nível financeiro da economia cresça sem referência às realidades físicas subjacentes. A venda imaginativa de derivados («produtos» financeiros) e a existência de atividade bancária offshore não regulada produziram ujm grande choque na opinião pública.

Forças políticas moderadas têm apresentado propostas sensíveis para transformar a banca num serviço público nacionalizado. Para além disso, a crise proporciona uma oportunidade para pensar a economia real-real. Deveriam ser introduzidas na origem taxas sobre a extração de recursos, com o objetivo de financiar uma sociedade ambientalmente sustentável. É necessário reduzir o consumo de energia e o uso de materiais por parte dos ricos. Os apelos frívolos nos países da OCDE a favor do crescimento populacional por forma a aumentar o emprego que ajudará a pagar as pensões dos idosos, não são nada convincentes de um ponto de vista ecológico, ou mesmo de um ponto de vista puramente financeiro, numa situação em que aumentam as taxas de desemprego. Estamos perante uma oportunidade para iniciar uma transição socioecológica.

Em alguns países, não apenas a quantidade absoluta de materiais mas também a sua intensidade (toneladas de materiais/PIB) estavam a revelar cada vez maiores pressões sobre o ambiente. A convergência para a média europeia de 16 toneladas por pessoa e por ano (apenas materiais, a água não está aqui incluída) multiplicaria por três os Fluxos Materiais a nível mundial com a atual população. As economias podem caracterizar-se por esses Fluxos Materiais.

Podemos analisar os padrões do comércio externo. Enquanto que a América do Sul exporta seis vezes mais em toneladas do que aquilo que importa, a União Europeia importa quatro vezes mais em toneladas do que aquilo que exporta. Podemos compreender os padrões caraterísticos dos conflitos sociais, por exemplo conflitos relacionados com a mineração e a extração de petróleo, ou resistência contra plantações de árvores destinadas a pasta de papel ou agrocombustíveis, ou o conflito internacional causado pelo acesso desigual aos sumidouros de dióxido de carbono (oceanos) ou ao «reservatório» temporário (atmosfera). A convergência rumo a 300 gigajoules per capita e por ano segundo um padrão europeu significaria multiplicar por 5 a energia atualmente existente na economia mundial. Se for usado o gás e especialmente o carvão, o dióxido de carbono produzido seria igualmente multiplicado por 4 ou 5. A AHPPL – apropriação humana da produção primária de biomassa – está também a crescer. O aumento da população, a inutilização de solos, a alimentação à base de carne, a produção de papel e de agrocombustíveis aumenta a AHPPL. Quanto mais elevada ela for, menos biomassa fica disponível para outras espécies.

À primeira vista, os países do Sul têm alguma coisa a perder e pouco a ganhar com o Decrescimento no Norte, devido ao menor número de oportunidades para exportações de matérias primas e produtos manufaturados, e à menor disponibilidade de crédito e doações. Porém, os movimentos a favor da justiça ambiental e o «ambientalismo dos pobres» do Sul são os principais aliados do movimento por um decrescimento sustentável do Norte. Esses movimentos combatem a poluição desproporcionada (a nível local e global, incluindo exigências de reparações em pagamentos da «dívida de carbono»), opõem-se à exportação de resíduos do Norte para o Sul (por exemplo, do navio Clemenceau e tantos outros navios enviados a desmantelar nas praias de Alang no Gujarat, ou resíduos eletrónicos), rejeitam a biopirataria, e também a Raubwirtschaft (economia do roubo, cleptocracia), ou seja, a troca ecológica desigual e a destruição da natureza e dos meios de vida humanos nas «fronteiras das matérias primas». Denunciam igualmente as responsabilidades ambientais das empresas transnacionais.

O movimento mundial a favor da conservação deveria criticar a contabilidade económica convencional e pressionar pela introdução de uma linguagem económica que refletisse melhor as nossas relações com a natureza, embora não esquecendo a legitimidade de outras linguagens: os direitos territoriais, a justiça ambiental e social, o caráter sagrado dos meios de vida. Tudo isso é necessário para a aliança entre o movimento de conservação e o ambientalismo dos pobres, como se propõe numa brochura da IUCN - União Internacional para a Conservação da Natureza, Transição para a Sustentabilidade, de Bill Adams e Sally Jeanrenaud, publicado em 2008. Essa aliança é difícil porque, a avaliar pela visibilidade dos patrocinadores no Congresso Mundial da Conservação, em Barcelona, em Outubro de 2008, o movimento mundial de conservação da natureza vendeu a sua alma a empresas como a Shell e Rio Tinto. John Muir teria ficado horrorizado.

O «ambientalismo dos pobres» combina as questões dos meios de vida, as questões sociais, económicas e ambientais, com as questões da extração e da poluição. Em muitos casos esses movimentos inspiram-se no sentido de identidade local (direitos e valores indígenas como o caráter sagrado da terra). Tais movimentos opõem-se explicitamente à anexação das terras, florestas, recursos minerais e água por parte dos governos ou das garndes empresas. Poderia existir uma confluência entre conservacionistas preocupados com a perda da biodiversidade, as numerosas pessoas preocupadas com as alterações climáticas que pressionam a favor da energia solar, os socialistas e sindicalistas que lutam por maior justiça social no mundo, os okupas urbanos que defendem a «autonomia», os agroecologistas, os neorrurais, e o vasto movimento camponês (como se exprime na Via Campesina), os pessimistas (ou realistas) sobre os riscos e as incertezas da mutação tecnológica (ciência pós-normal) e o «ambientalismo dos pobres» que reivindica a preservação do ambiente para a subsistência.

Os movimentos internacionais a favor da justiça ambiental têm por objetivo uma economia que satisfaça de modo sustentável as necessidades de alimentos, saúde, educação e habitação para todos, proporcionando a máxima joie de vivre (alegria de viver) possível. Eles sabem que nos processos de decisão, a economia se torna uma ferramenta de poder. É o que acontece quando se aplicam análises custo-benefício a projetos individuais, e também a nível macroeconómico quando os aumentos do PIB ocultam outras dimensões.

A questão é esta: quem tem o poder de simplificar a complexidade e impor uma específica linguagem de avaliação? Os movimentos de justiça ambiental sabem na pele e na cabeça que a contabilidade económica convencional é falsa, que ela esquece os aspetos físicos e biológicos da economia, o valor do trabalho doméstico não pago e o trabalho voluntário, e que de facto não mede o bem-estar e a felicidade da população. O que necessitamos é de um bom viver aristotélico (como proclama o Fórum Social Mundial) guiado pela oikonomia e não pela crematística.

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